quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Procura da Poesia

"[...]

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

[...]"
Carlos Drummond de Andrade
(A Rosa do Povo)

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Estatelando na real

Não sei citar na literatura universal sequer um grande homem que tenha completado sua jornada sem enfrentar nenhum tipo de prova ou expiação. Não imagino sequer um pequeno homem assim. E, como todo aspirante a, simplesmente, homem, também tive de marchar por uma dessas provações existenciais.

A minha provação veio bem logo e assumiu o estranho formato de uma nimiedade cartesiana. Bem logo mesmo, mal sabia eu ler e escrever, nem ao menos andar ou falar, pior ainda, que o diga, entender.

Aos píncaros dos meus louros poucos meses de vida começava a pirilampear em mim aquela clássica natureza dogmática que desponta em qualquer ser vivo racional deste plano.

Sentado em meu cadeirão de bebê, na minha fleumática paidéia, tentava, gradativamente, entender as formas que discorriam nos meus sentidos, as formas que dançavam carrosselmente psicóticas perante os meus olhos, o fedor de devaneios que permeavam as minhas narinas e, sobretudo, toda a pacholagem que ululava nos meus ouvidos e reverberava na minha cabeça. Era tão chateante. Chegar ao mundo, cheio de expectativas e perceber que ainda não fazia parte dele. Tão deprimente a desgraçada decepção de desolamento social. Era chata mesmo, muito chata, a misantropia e a maldita segregação. Mais chata ainda era ser chateado pela galhofa das pessoas ao meu redor, que ardilosamente me subestimavam e me subjugavam à palhaçada pura. Era como ser piparoteado em minha virilidade a cada mimo e gracejo dos mendazes facínoras. Era sentir-me lânguido diante as minúcias tediosas e ser ridículo ao ser banhado de ninharias. Ser bebê era estupidamente humilhante. Ter que agüentar aquela fuzarquia farrista era dor pior que a felonia, era o mais desvairado e esquálido dos sentimentos pejorativos. Eu não agüentava. Para mim, tudo aquilo deveria explodir e perder-se no ocaso. Esse era o meu maior desejo, o ideal que me manteria de pé. Era minha maior vontade.

Muito me esforcei, então, para que aquilo tudo virasse poeira estelar, era hora do basta. Dediquei toda a minha voluntariedade, fixei-me ao péssimo preceito da Vontade de Schopenhauer, no fundamento da idéia platônica e fiquei ali, querendo. Com uma força de vontade cada vez maior, eu insistia em querer muito e a vontade chegava a ultrapassar uma escala industrial de infinito querer. E desejava em cada suspiro. Cada resquício de aspiração e anseio que não estivesse querendo era cruelmente repreendido e acoplado imediatamente à força de vontade. Mas nada parecia mudar, e a minha vontade se esgotava, esvaindo-se em cachoeiras metafísicas. E num último súbito de insistências, quis mais uma vez, exausto. Meu corpo enrijeceu-se, pois não agüentava mais tanta vontade. Assim, por uma tremenda quantidade supérflua de má sorte, deixei meu corpo derrubar-se do cadeirão, ficando no ar da mesma forma que os tijolos não ficam e, doravante, estatelando-se no chão da mesma maneira que os tijolos que não deveriam estar no ar estatelam-se.

Chega uma hora na vida que a gente se toca e deixa de ser besta.



Fábio.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Burice sem limites.

Brigas ridículas entre policiais, vá lá, mas policiais que sacrificam vítimas de seqüestro? O que está acontecendo, meu Deus?
Quase agora, a menina que foi mantida presa pelo ex-namorado durante quatro dias se encontra no hospital, com dois tiros, bem como a amiga.
O fato de os policiais terem invadido e "causado" o tiroteio nem me incomoda tanto, parece que eles haviam escutado um disparo ou coisa do gênero, boa causa. Mas mandar a amiga voltar para o cativeiro depois de livre? 
Será que se fosse filha deles- e não fosse a Isabela do "caso"- eles teriam pensado dessa brilhantíssima maneira? Que forma inteligente de tentar resolver as coisas, não? 
E a menina, coitada, querendo salvar a amiga, sem pensar nas conseqüencias, traumatizada e desesperada, foi. 

Aparentemente a causa de tudo isso foi o fato de Lindemberg, o seqüestrador, querer conversar com a ex, que se recusava! Como é que ela vai escutar agora? O que uma menina de 15 anos fazia com um maloqueirinho, dono de uma arma, de 22, Pai do Céu?
Aconselho que tomem cuidado com seus relacionamentos, já que "aprender" com os mesmos está cada vez mais difícil. Uns ensinam a matar, uns matam antes de podermos assimilar qualquer coisa, outros planejam uma fuga que, impensável: acaba em morte...

Força a  Heloá e Nayara e seus amigos e familiares já tem muita gente desejando. Eu desejo aos prisioneiros, que propiciarão bons momentos a esse nosso amigo. Se bem que isso não chega a ser um consolo. 

Paula Zogbi Possari.

sábado, 11 de outubro de 2008

Nenhum ensaio sobre nada.

I – Nenhum ensaio

Lindamente, eu não sei o que permeia esta plenitude lírica das oscilações vazias. Em ausência idiossincrática, de uivos ululantes, simula um monte de idéias retóricas. Ícones sem face e sem presença cultuados pela vida são o que não resta daqueles que já não existem. Uma negação da verdade, eles são exatamente o que as siriemas não são. Incapazes de serem levadas pelo vento e capitularem ao tempo, permanecem onde não estão, invejando aos pintinhos, alheios, ventáveis, assim como aqueles que precedem os outros que procedem muita coisa com o risco de causar algo de grande magnitude, podendo abranger até mesmo a pesca por luminescências esplêndidas mesmo, às vezes muito aquém do permitido por nossa capacidade incipiente, afogando-nos de novo ao nada. Nada é, nebulosamente, a gênese. Aqueles que procedem são, consequentemente, simplesmente, nozes.

II – sobre o nada.

O nada é a sobreposição de tudo e, por sobrepor tudo, submete-se à anulação. Nada, então é o estado mais completo e complexo da metafísica, sendo congruente ao tudo e adjacente ao quase nada. Não é mais vazio agora. O nada é tudo cheio, como o branco é cheio de luz e o preto é cheio de cor, enquanto a recíproca é oposta. Como o amor é cheio de outro, e a solidão é excesso de si. Como a vida é feita de morte e a morte é feita de vida. Nada é tudo e tudo é nada, mas sobre isso nada podemos falar. Um circunlóquio sem fim e sem sentido. Assim como o universo, que não significa nada, exatamente por ser absolutamente tudo.


III- O Gnomo, nihil.



Fábio e Vítor.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Contagie.

Segunda-feira tive uma visita rotineira ao médico. Alguém lembra da chuva que estava na segunda-feira? Aquele tipo de chuva que os paulistanos A-DO-RAM!?- aliás, os paulistanos em geral não gostam de quase nada- Pois é. "Que preguiça, que chuva, que sono, ai, ai ai", fui. 
No caminho, como qualquer um pode imaginar, tomei vários banhos pelos motoristas estressados, donos de carros grandes e apressados- que obviamente não têm culpa, mas é claro que foram por mim culpados-, ouvi reclamações, levei empurrões, senti o cheiro corriqueiro de suor, etc. Meu ânimo estava na lua! 
Ainda no hospital, depois da consulta, passou por mim um senhor, magrinho, fraquinho, coitadinho, que me fez sorrir. Não porque eu agradeço o fato de eu estar saudável, odeio esse tipo de pensamento em cima dos outros, mas porque ele mesmo sorria. Sorria e cantava! "Eeeu sou a mosca que pousou na sua soopa!", de quebra ganhei um "olá, moça bonita". Devo realmente ter sorrido bonito. 
Depois, no metrô, massacrado, pisoteado, arranhado e esgotado, estava, muito próximo a mim (apesar das 15 pessoas entre nós, era um espaço de uns 40cm), um outro senhor, também muito simpático, que assoviava alegremente um Caetano Veloso muitíssimo bem interpretado. Este, por sua vez, contagiou um outro, que desceu na mesma estação que eu e, sem guarda-chuva, mãos na cabeça, alegrou ainda mais parte do meu caminho de volta.
Chegando no meu prédio, a síndica mal-encarada/humorada (que impediu alguns condôminos de convidarem a escola de samba amiga para os churrascos de domingo!!!) estava xingando Deus, o mundo,  e o que mais possa existir, aparentemente por causa da chuva e "além de tudo esse sapato me aperta!". Fiz cara de "meus pêsames", apresentei a ela meu sorriso mais simpático, e não pude deixar de me perguntar: como alguém poderia estar estressado diante daquele dia maravilhoso?

Paula Zogbi Possari.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

O passado é meu presente


"O passado é minha cicatriz

marca, estigma,
sombra delineada

pelo sol que se põe.

História

vivida, inventada
contada, falseada.

Fragmentos

de sonhos
derramados

numa ampulheta.

O passado

é meu presente
nele nada posso alterar

vírgula, ponto, exclamação.

Teimo em ser

presente.

Argonauta

em um oceano de memórias,
me atiro no mar

do imponderável.

Desejo

um encontro marcado

com o futuro

presente

imarginado,
imaginado

travesso,
buliçoso...

Tenho um encontro certo

Mesmo sabendo

que tudo o que é certo
é a inércia da morte.

Navego poeta,

navego,
pois viver não é preciso"

João Bosco Sousa

domingo, 5 de outubro de 2008

Indigente, descendente, tudo gente.

Indigente

Chuva, ou choro, de gotas, ou lágrimas, opacas, tristes. Deixam-me nenhuma flor. Menti, a única coisa que molha minha sepultura é o suor viscoso e mal cheiroso do coveiro, nenhum'alma sequer presta-me homenagens, nem mesmo os céus. A terra seca me cobre, um sol escaldante de meio-dia queima, arde, mas sinto um frio insuportável, o frio de ser eternamente só, e isso é só.

Descendente

Sol, calor, praia e paixão. Curto o meu luto no Havaí.

Gente

Gente quente e valente, brilho nitente e inconseqüente, indolente, mas iridescente, crente e descrente, sabida da mente e mente. Pra parente, ente, ainda mente, piamente, sempre descaradamente, lindamente. Do mundo, semente, inclemente, somente carente, um incandescente acidente de natureza indecente. É complacente, condescendente e benevolente, porém de forma irreverente, maleficamente, etnocentricamente e egocentricamente é, simplesmente, gente.


Vitor Aruth e Fábio.

Sem título

Caricaturas inexpressivas são tudo aquilo que me resta quando tento, em momentos de banzo, recordar-me de amigos íntimos ou de paixões enlouquecidas. Nunca o que imaginamos se concretiza, apenas nos alimentamos de ilusões, ou a imagem assim gerida é concreta, apenas sombras oscilantes, frágeis e passageiras se formam, deformam e disformam.
Muitos vivem em pensamento e, conseqüentemente, não vivem. Por que tanto esforço, Sempre me pergunto se isso não passa de uma necessidade, própria de nossa espécie, de segurança e, principalmente, de conforto. Viciamo-nos nessa maldita realidade ideal, perfeita, e nos perdemos de nossa própria realidade.


Vitor Aruth

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Gramática.

Tive uma "ideia"
Para revolucionar
De jibóia e colméia
Os acentos vou tirar 

Preposição e verbo
Distinguia-se com zelo
Agora pára é para
e pélo vira pelo

Por falar em distinguir, 
Sumiram com a nossa trema
Não deviam nos argüir!
Isso sim é um problema

Para completar
Vão os hífens assassinar
autoescola, contrarregra
Coisa feia, vá se catar!

Não precisa dizer que meu poema é uma beleza HAHAHA. Foco no tema, gente, no tema!
Nada de acentos em paroxítonas terminadas em ditongo, nada de acento diferencial, morte à trema, acabaram-se os hífens quando o prefixo termina em uma vogal e o sufixo começa em outra e em sufixos começados em s e r(com excessão dos prefixos terminados em r- como hiper-, super-...). Abuso!
Deixando a indignação de lado, espero que isso pelo menos sirva mesmo para facilitar a nossa comunicação com as outras formas do português, já que, falando por mim, realmente não fiquei nada feliz com a "novidade" pensada há dez anos. A rapidez vem da língua (lingua?) que falamos aparentemente. E vocês?

(em tempo: aparentemente as terceiras pessoas de verbos como crer, ler, ver e as palavras terminadas em hiato "oo", como enjôo, também não terão mais seus acentos circunflexos.)


Vergonhosamente, Paula Zogbi Possari

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

O Homem

Porta escancarada, corpos caídos, nova pintura rubra na sala. Sangue que escorre e corroe a alma, que me banha, que me hidrata a pele, que me alimenta. Saio, muto, minha enorme envergadura espalha sombra, transmuto, deito.
Morro e desmorro e corro em pesadelo e discorro em devaneio. Diáfana imagem inexistente, reflete incandescente a melancolia complacente ao meu trajar irreverente. Ensaio a tristeza e o desespero e a falta de destreza e o desassossego d'alma que me mente a existência inexistente onde moro e que devoro.
Só, me faço só. Diante de realidade intermitente, porém sem marcas de tempo se faz perene, seria ainda maior o pesar de viver assim com outrem, me faço só. Escolho, entre tudo, nada, não suportaria o fardo de outr'alma suportar o fado de minh'alma. Por isso simplesmente os retorno à poeira, poeira à qual meu maior desejo é regressar, fazer parte das estrelas, minhas únicas companheiras. E assim vivo e não vivo.
Curto e não-curto esta curta eternidade maçante e instantânea de um hussardo sem causa, mas com conseqüência, numa seqüência de causas galantes e chatas de ínfimos prazeres magníficos e errados em pecados de insanidade.
Choro, grito, mas o silêncio mantém-se mórbido, nem mesmo posso ouvir o pulsar de meu coração, não pulsa. Porém gozo, como se me deleitasse de ilhargas, necrófilo, apenas observo em minhas tristes noites o ardor ígneo apaixonado dos casais jovens e posso ver após o orgasmo um momento de verdadeiro amor. Então penso, sou amaldiçoado pelo pensamento, um cão sujo, sarnento com chagas e vermes se aproxima, tenho inveja dele.
Ouço, mundo, e calo, mudo, ele não me pertence, eu sou uma serpente de paixão e de não-amor, sorte, empedernido em silêncio, quieto, pra não ter que falar, vivo, emudecido estático emporcalhado, choro, enlamecido, grito, em sinfonia minimalista, reverbero um prestíssimo, mas ninguém me ouve.
Amanhece, quero ver o sol, sentir o calor, sentir-me como todos, não sinto. Mas compreendo, não sou o único, não posso ser o único, pois no escuro somos todos iguais, e é no escuro, mesmo indistintos.


Fábio e Vitor Aruth