segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Estatelando na real

Não sei citar na literatura universal sequer um grande homem que tenha completado sua jornada sem enfrentar nenhum tipo de prova ou expiação. Não imagino sequer um pequeno homem assim. E, como todo aspirante a, simplesmente, homem, também tive de marchar por uma dessas provações existenciais.

A minha provação veio bem logo e assumiu o estranho formato de uma nimiedade cartesiana. Bem logo mesmo, mal sabia eu ler e escrever, nem ao menos andar ou falar, pior ainda, que o diga, entender.

Aos píncaros dos meus louros poucos meses de vida começava a pirilampear em mim aquela clássica natureza dogmática que desponta em qualquer ser vivo racional deste plano.

Sentado em meu cadeirão de bebê, na minha fleumática paidéia, tentava, gradativamente, entender as formas que discorriam nos meus sentidos, as formas que dançavam carrosselmente psicóticas perante os meus olhos, o fedor de devaneios que permeavam as minhas narinas e, sobretudo, toda a pacholagem que ululava nos meus ouvidos e reverberava na minha cabeça. Era tão chateante. Chegar ao mundo, cheio de expectativas e perceber que ainda não fazia parte dele. Tão deprimente a desgraçada decepção de desolamento social. Era chata mesmo, muito chata, a misantropia e a maldita segregação. Mais chata ainda era ser chateado pela galhofa das pessoas ao meu redor, que ardilosamente me subestimavam e me subjugavam à palhaçada pura. Era como ser piparoteado em minha virilidade a cada mimo e gracejo dos mendazes facínoras. Era sentir-me lânguido diante as minúcias tediosas e ser ridículo ao ser banhado de ninharias. Ser bebê era estupidamente humilhante. Ter que agüentar aquela fuzarquia farrista era dor pior que a felonia, era o mais desvairado e esquálido dos sentimentos pejorativos. Eu não agüentava. Para mim, tudo aquilo deveria explodir e perder-se no ocaso. Esse era o meu maior desejo, o ideal que me manteria de pé. Era minha maior vontade.

Muito me esforcei, então, para que aquilo tudo virasse poeira estelar, era hora do basta. Dediquei toda a minha voluntariedade, fixei-me ao péssimo preceito da Vontade de Schopenhauer, no fundamento da idéia platônica e fiquei ali, querendo. Com uma força de vontade cada vez maior, eu insistia em querer muito e a vontade chegava a ultrapassar uma escala industrial de infinito querer. E desejava em cada suspiro. Cada resquício de aspiração e anseio que não estivesse querendo era cruelmente repreendido e acoplado imediatamente à força de vontade. Mas nada parecia mudar, e a minha vontade se esgotava, esvaindo-se em cachoeiras metafísicas. E num último súbito de insistências, quis mais uma vez, exausto. Meu corpo enrijeceu-se, pois não agüentava mais tanta vontade. Assim, por uma tremenda quantidade supérflua de má sorte, deixei meu corpo derrubar-se do cadeirão, ficando no ar da mesma forma que os tijolos não ficam e, doravante, estatelando-se no chão da mesma maneira que os tijolos que não deveriam estar no ar estatelam-se.

Chega uma hora na vida que a gente se toca e deixa de ser besta.



Fábio.

4 comentários:

Lichas disse...

Deixou de ser besta! :D

Vitor Aruth disse...

lembro desse ;]

Dedão! disse...

OLHA!

consegui entender esse direitinho ! :D

Vitor Aruth disse...

eu costumava engasgar com frango..